Vinícius de Moraes: Fidelidade, Separação, Intimidade: Three Sonnets

Ipanema Beach in Rio, at sunset_vintage colour photograph from the 1960s

Ipanema Beach in Rio, at sunset_vintage colour photograph from the 1960s

Vinícius de Moraes
(lyricist and poet, Rio de Janeiro, 1913-1980)
.
Sonnet on Fidelity
.
Above all, to my love I’ll be attentive
First, and always with such ardour, so much
That even when confronted by this great
Enchantment my thoughts ascend to more delight.
.
I want to live it through in each vain moment
And in its honour I must spread my song
And laugh with my delight and shed my tears
When she is sad or when she is contented.
.
And thus, when afterward comes looking for me
Who knows what death, anxiety of the living,
Who knows what loneliness, end of the loving,
.
I could say to myself of the love I had:
Let it not be immortal, since it is a flame
But let it be infinite – while it lasts.
. . .
Sonnet on Separation
.
Suddenly, laughter became sobbing
Silent and white like the mist
And united mouths became foam
And upturned hands became astonished.
.
Suddenly, the calm became the wind
That extinguished the last flame in the eyes
And passion became foreboding
And the still moment became drama.
.
Suddenly, no more than suddenly,
He who’d become a lover became sad
And he who’d become content became lonely.
.
The near became the distant friend
Life became a vagrant venture
– suddenly, no more than suddenly.
. . .
Sonnet on Intimacy
.
Farm afternoons, there’s much too much blue air.
I go out sometimes, follow the pasture track,
Chewing a blade of sticky grass, chest bare,
In threadbare pyjamas of three summers back,
.
To the little rivulets in the river-bed
For a drink of water, cold and musical,
And if I spot in the brush a glow of red,
A raspberry, spit its blood at the corral.
.
The smell of cow manure is delicious.
The cattle look at me unenviously
And when there comes a sudden stream and hiss
.
Accompanied by a look not unmalicious,
All of us, animals, unemotionally
Partake together of a pleasant piss.
. . .
Translations from Portuguese into English:
Ashley Brown (Fidelity, Separation) and Elizabeth Bishop (Intimacy)

. . .

Soneto de Fidelidade
.
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zêlo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dêle se encante mais meu pensamento.
.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive,
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
.
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, pôsto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
. . .

Soneto de Separação
.
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
.
De repente, não mais que de repente,
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

. . .

Soneto de Intimidade
.
Nas tardes da fazenda ha muito azul demais.
Eu saio as vezes, sigo pelo pasto, agora
Mastigando um capim, o peito nu de fora
No pijama irreal de ha três anos atrás.
.
Desço o rio no vau dos pequenos canais
Para ir beber na fonte a agua fria e sonora
E se encontro no mato o rubro de uma aurora
Vou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais.
.
Fico ali respirando o cheiro bom do estrume
Entre as vacas e os bois que me olham sem ciume
E quando por acaso uma mijada ferve
.
Seguida de um olhar não sem malícia e verve
Nos todos, animais, sem comoção nenhuma
Mijamos em comum numa festa de espuma.
. . .

These three sonnets were written in the late 1930s, when de Moraes was in his mid twenties. The poet would later become famous as the lyricist for the 1962 international bossa-nova hit song, A Garota de Ipanema (The Girl from Ipanema).
. . . . .


Castro Alves: “O Navo Negreiro” / “The Slave Ship”

Negra com o filho_ Salvador em 1884

O Navio Negreiro é um poema de Castro Alves – e um dos mais conhecidos da literatura brasileira. O poema descreve com imagens e expressões terríveis a situação dos Africanos arrancados de suas terras, separados de suas famílias e tratados como animais nos “navios negreiros” que os traziam para ser propriedade de senhores e trabalhar sob as ordens dos feitores.
Foi escrito no ano de 1869, quando o poeta tinha vinte e dois anos de idade, e quase vinte anos depois da promulgação da Lei Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico de escravos (1850).
. . .
The Slave Ship (O Navo Negreiro) by Castro Alves is a classic of Late Romantic 19th-century poetry in Brazil. An ambitious, panoramic “story”, The Slave Ship shows a poet caught up in the great social/political theme of his time: Abolitionism – the movement to end Slavery. Written in 1869, this poem radiates all the idealism of youth – Alves was 22 – and is meant to agitate the reader through moral drama. O Navo Negreiro was not published till 1880, nine years after Castro Alves’ death from tuberculosis – he was 24 – in the city of Salvador da Bahia.
In 1888, Slavery was finally abolished in Brazil.
.
The use of slaves in Brazil began in the first half of the 16th century, and involved not the African “trade” but the Indigenous Peoples of Brazil. But by the second half of the 16th century the Portuguese colonists began a systematic importation of forced human labour via West African kingdoms. The sugar and coffee plantation economies – not to mention gold mining and cattle ranching – relied heavily on such regimented labour, although small “free” farmers existed too, though these mostly eked out a living in states such as Minas Gerais. Between 1600 and the mid-nineteenth century – when the “Middle Passage” trans-Atlantic slave trade was blockaded by the English navy – roughly 4 million Africans of various ethnicities and language groups had been brought to Brazil as slaves. Brazil’s importation of Africans for “use” in an economy that grew greatly because of a forced-labour economy was similar to the pattern of the U.S.A. – particularly during the 18th and 19th centuries.

. . .

Castro Alves (1847-1871)

O Navo Negreiro (1869)

‘Stamos em pleno mar… Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm… cansam
Como turba de infantes inquieta.

‘Stamos em pleno mar… Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro…
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do liquido tesouro…

‘Stamos em pleno mar… Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, placidos, sublimes…
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?…

‘Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas…

Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tao grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas nao deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest’hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento…
E no mar e no céu — a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!

Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia,
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia…

Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pavido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! aguia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! da-me estas asas.
. . .
Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.

Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Italia o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traiçao,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcao?

O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa patrias glóorias,
Lembrando, orgulhoso, históorias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!

Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fidias talhara,
Vao cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu…
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu!…

Desce do espaço imenso, ó aguia do oceano!
Desce mais… inda mais… nao pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu ai… Que quadro d’amarguras!
É canto funeral!… Que tétricas figuras!…
Que cena infame e vil… Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

. . .
Era um sonho dantesco… o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros… estalar de açoite…
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar…

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das maes:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhao de espectros arrastadas,
Em ânsia e magoa vas!

E ri-se a orquestra irônica, estridente…
E da ronda fantastica a serpente
Faz doudas espirais…
Se o velho arqueja, se no chao resvala,
Ouvem-se gritos… o chicote estala.
E voam mais e mais…

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidao faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martirios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitao manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
“Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!…”

E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantastica a serpente
Faz doudas espirais…
Qual um sonho dantesco as sombras voam!…
Gritos, ais, maldiçõoes, preces ressoam!
E ri-se Satanas!…
. . .
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura… se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
O mar, por que nao apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrao?…
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufao!

Quem sao estes desgraçados
Que nao encontram em vos
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem sao?  Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cumplice fugaz,
Perante a noite confusa…
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!…

Sao os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus…
Sao os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidao.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje miseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razao. . .

Sao mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe… bem longe vêm…
Trazendo com tibios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N’alma — lagrimas e fel…
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no pais,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis…
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus…
… Adeus, ó choça do monte,
… Adeus, palmeiras da fonte!…
… Adeus, amores… adeus!…

Depois, o areal extenso…
Depois, o oceano de pó..
Depois no horizonte imenso
Desertos… desertos só…
E a fome, o cansaço, a sede…
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p’ra nao mais s’erguer!…
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.

Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leao,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d’amplidao?
Hoje… o porao negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar…
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar…

Ontem plena liberdade,
A vontade por poder…
Hoje… cúum’lo de maldade,
Nem sao livres p’ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidao.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute… Irrisao!…

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro… ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!…
O mar, por que nao apagas
Co’a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrao?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufao?…
. . .
Existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!…
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!…
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gavea tripudia?
Silêncio.  Musa… chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!…

Auriverde pendao de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança…
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!…

Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um iris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais!… Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendao dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
. . . . .

 

 Escravos na colheita do café_Rio de Janeiro_1882Lavagem do ouro_ Minas Gerais_1880.

As fotografias são do acervo do Instituto Moreira Salles, algumas delas foram feitas há mais de 130 anos. A qualidade do material, tanto no sentido gráfico quanto em detalhes de comentários nas suas legendas, impressiona e aproxima aqueles que querem entender o cenário escravocrata brasileiro.

Elas datam entre 1860 e 1885, período em que movimento abolicionista tomou maiores proporções. São registros muitas vezes idealizados, de tom artístico, se assemelhando às pinturas da época. Diferente de alguns casos de propaganda abolicionista nos Estados Unidos, o objetivo dessas fotos não é denunciar barbaridades.


Verde – Negro / Green – Black

What colour is this because I am not sure...

Verde Negro
dever
de ver
tudo verde
tudo negro
verde-negro
muito verde
muito negro
ver de dia
ver de noite
verde noite
negro dia
verde-negro
verde vós
verem eles
virem eles
virdes vós
verem todos
tudo negro
tudo verde
verdenegro

Mark Rothko_Untitled_1969

Green Black
green
grin
all green
all black
green-black
very green
very black
see the day
see the night
a green night
a black day
green-black
wait your turn
turn around
round the turn
I see
I agree
I am green
ay sí
I see all
all black
all green
greenblack

. . . . .


Poetas dos anos 90: “A margem das coisas” / “On the edge of things”: Ricardo Corona

Gordon Parks photographer_featuring Bettina Graziani_Sophie Malagat Litvak_1950

Ricardo Corona (born 1962, Curitiba, Paraná, Brazil)
On the Edge of All Things: A Song
(for Eliana)

.
I heard the hissing rustle of the liquid and sands as directed to me whispering to congratulate me.
Walt Whitman
.

   I am on the edge

                                                                                                                                                                and here – in the atrium

of encounters – between feeling and seeing:

                                                                                                                                                                it vibrates, it frightens. Nothing is

empty now. The camera-eye clicks and leaks

                                                                                                                                                                spilling forth dizziness in a clip

of happening & landscapes,

                                                                                                                                                                memory chips. Everything passing,

                                                                                                                             passing – movies

                                                                                                                                                               : ex-foam

                                                                                                                                                    birds

                                                                                                                                                               fish

                                                                                                                   now a house twinkles

                                                                                                                                                               a drunken boat dances

                                                                                                             the wind trembles a tree

                                                                                                                                                               wild waves rise up

smashing against the velvet rocks

                                                                                                                                                               wild waves slip away

                                                                                                                   licking my footprints

                                                                                                                                                               – I am no longer here –

                                                                                                                                            and love

                                                                                                                                                               is no greater

                                                                                                                                           or lesser

                                                                                                                                                               than the sea.

. . .

Na Margem de Todas as Coisas: Uma Canção
(para Eliana)
.
I heard the hissing rustle of the liquid and sands as directed to me whispering to congratulate me.
Walt Whitman
.
Estou na margem

e aqui – entre os, no atrito

dos encontros – sentir e ver:

vibra, apavora. Nada está

vazio agora. O olho-câmera clica e vaza

vertendo vertigens num clip

de lances & paisagens,

chips de memórias. Tudo passando,

passando – movies

: ex-espumas

pássaros

peixes

agora uma casa pisca

um barco bêbado dança

o vento arvora uma árvore

ondas loucas se erguem

despedaçando-se no veludo das pedras

ondas loucas deslizam

lambendo minhas pegadas

– não mais estou –

e o amor

não é maior

nem menor

que o mar.

.

Florianópolis, Praia dos Ingleses, 11.2.94

. . .

Translation from Portuguese to English © David William Foster and Maurício Arruda Mendonça

Photograph by Gordon Parks (1912-2006)
. . . . .


Poetas dos anos 90: “O halo da lucidez” / “The halo of lucidity”: Claudia Roquette-Pinto

Red and yellow Flame tulips

Claudia Roquette-Pinto (born 1963, Rio de Janeiro)
Space-Writing (after a photograph by Man Ray)
.
so write in space: the
arch of the arm more
agile than the startling
of ideas in flight (clip-
clop of hooves)
the trace
that hands on heels (madly
clipped wings) percourse:
circumvolutions of
improvisations inside the frame
after the lapse still
resting clear (i
tinerary of medusas)
writing that stays for the
spasm               the “set eye” the
rapture
of the sealant
. . .
Space-Writing (sobre foto de Man Ray)
.
para escrever no espaço: o
arco do braço mais
ágil que o sobressalto
das idéias em fuga (tinem
os cascos)
o traço
que as mãos no encalço (desa
tino de asas) percursam:
circunvoluções do
improviso na moldura
findo o lapso resta
em claro (i
tinerário de medusas)
a escrita que perdura para o
espasmo                   o “olho armado” o
rapto
do obturador
. . .
Flame
.
the tulips lit up – swords, crowns,
strands –
a noise in the room
in the restless bed
a face averse to the
intransigent face, of the mirror,
seeking balance
hovering, over the canyon
of the sheets, fire contained,
twin of the flowers’ blaze
burning in continuous
silence,
in the halo of lucidity
.
Translation from Portuguese to English: Charles A. Perrone
. . .
Chama
.
as tulipas acenderam

– espadas, coroas,
cabelos –
seu ruído no quarto
na cama sem repouso
um rosto avesso ao rosto
intransigente, do espelho,
busca equilíbrio
sobre o cânion dos lençóis
paira, fogo contido,
gêmeo do incêndio das flores
ardendo em contínuo
silêncio,
no halo da lucidez

. . . . .


Poetas dos anos 90: “A Palavra viva e paralisada” / “Poetry – alive – in paralyzed flow”: Carlito Azevedo

Bem Aqui, Bem Agora

Bem Aqui, Bem Agora

Carlito Azevedo (born 1961, Rio de Janeiro)
Downstairs
.
I
.
In wind storms past a boyish one moved through,
a moment of epiphany passed too.
.
Does memory desire files, reserves?
expose itself in light and neon-nerves?
.
Is time, the childhood illness, to be aching
generating elders at their making?
.
If everything should pass, would it be naught?
as if to crave what still remains of bought
.
and sexy clothes of poetry fleeting
(their roles of true rhymes, light, and the beating
.
crown) even the drops of fine dew with a sheen
that in the dense air of open ravines
.
of vertigos, yes, in revolution
on the ground, explosive involution,
.
(as water soot in glittering sills belies),
recall, extralight, the final grey skies?
.
II
.
The plot was so simple, skies the same scale
without view without vision without veil
.
on the eyes… In an instant of power,
points in a circle, frozen the hour,
.
everything starts a slow lingering flow
outside the circle, a wider one now
.
opens on life’s normal process and streatm,
yet there appear more encompassing schemes
.
where everthing goes at such rapid speed
that we can’t quite perceive it, when the seed
.
and the birthplace undecidably spin:
if at birth all is quiet, then begins
.
to speed up to a vertiginous flat
or if, to the contrary, it’s just that
.
the flow self-detains when reaching its goal
in alacrity born, not by a soul?
.
III
.
The idea’s to resist the temptation
to write poems of this place of negation,
.
of this circle congealed in frigid state
so without vessels to communicate,
.
shut up in itself, its pose, waiting here,
idea being to reach that other sphere,
.
no one where all flows slowly in motion
nor one other of common commotion,
.
but the last one, the vertiginous spin
(whether in the end or the origin),
.
the idea must be to centre both hands
in the nervous delirium (those bands
.
of wind in the square), so words in action
might freeze life, an unaccustomed reaction,
.
despite in a paralytical throe,
Poetry – alive – in paralyzed flow.
.
IV
.
When rain and what the showers brought had passed
(nor did the thought of floods outlast),
.
the memory shrank like clear water lakes
that of themselves a puddle comes to make
.
and cease to be, a subtle set of sails
that, in dense light, evaporates in pails
.
of water blades. And then the flood recessed,
slow present in all spaces to invest:
.
each curve of space, and corner of a curve,
asbestos shores of fine and silky verve.
.
The flood did subside, and with what is quiet,
leading the chase, tumultuous riot.
.
(just like skin being smooth, the asperous
joyful surface of wood that lacerates
.
time, where all this will be grazed) did the day
take once again its thin thread of delay.
. . .
Translation from Portuguese to English: © Charles A. Perrone, 1998

. . .
Ao Rés Do Chão
.
I
.
Um menino passou na ventania,
um momento passou de epifanias.
.

É a memoria que quer, com seus acervos,
exoir-se em luminosos néon-nervos?
.
É, doendo, o tempo, essa doença
da infância, a gerar velhos de nascença?
.
É que tudo, se passa, vira nada?
.mesmo que anele ainda a alugada
.
e sexy roupa fátua do poema
(seu rol de rimas ricas, diadema
.
tremeluzente), e até as gotas finas,
que no ar denso, porém, abrem ravinas
.
vertiginosas e em revolução,
antes de explodirem ao rés do chão
.
(ciscos de água luzindo nos lancis),
relembrem, extraluzes, o céu gris?
.
II
.
A trama era tão simples, sob um céu
tão simples, sem visões e sem um véu
.
sobre os olhos… Num poderoso instante
um ponto se congela e, circundante,
.
tudo passa a fluir lento, arrastado,
e à volta desse círculo um mais largo
.
se abre onde prossegue normalmente
a vida e seu caudal; mais abrangente
.
há outro onde tudo é tão veloz
que nem o percebemos. Onde a foz
.
e onde a nascente é algo indecidível:
se tudo nasce quieto e até um nível
.
vertiginoso vai-se acelerando,
ou se, ao contrário, é justamente quando
.
chega ao seu film que o fluxo se detém,
nascido acelerado e por ninguém?
.
III
.
A idéia é não ceder à tentação
de escrever o poema desse não-
.
lugar, desse círculo congelado
sem vasos comunicantes, fechado
.
em si, em sua pose, sua espera,
a idéia é alcançar a outra esfera,
.
não aquela onde tudo flui tão lento,
nem a outra, comum no movimento,
.
mas a última, a roda da vertigem
(esteja ela no fim ou na origem),
.
a idéia é  pôr as duas mãos no centro
nervoso do delirio (aquele vento
.
na praça), para que a Palavra ativa
congele a vida, como soi, mas viva
.
mesmo ferida da paralisia,
fluxo paralisado, a poesia.
.
IV
.
Quando a chuva passou (quando assentou-se
a idéia do dilúvio) e o que ela trouxe,
.
a memória encolheu-se como poça
de água limpa que em si mesma se empoça
.
e deixa de existir, sutil velame
na densa luz que se evapora à lâmina
.
d’água. Assentou-se o dilúvio, o presente
investiu todo espaço lentamente:
.
cada curva de espaço, cada canto
de curva, cada praia de amianto.
.
Assentou-se o dilúvio. Sob o acosso
da quietude, que é toda um alvoroço
.
(tal como é lisa a pele onde se roça
a superficie áspera e lenhosa
.
do gozo, que lacera o tempo), a hora
retomou seu fiapo de demora.
. . . . .


Poetas dos anos 90: “A possibilidade mas não a totalidade” / “The possibility but not the totality”: Maurício Arruda Mendonça

Here_photograph by Sandra Dionisi

 

Maurício Arruda Mendonça

(born 1964, Londrina, Paraná, Brazil)

The Best View
.
The best view
is from a window
where you may have
the possibility
but not the totality.
.
Its essence
is a contingency
a minimum concealed
in unity and therefore
direct knowledge
is almost perspective.
.
The introspection
of the landscape:
an ideal shared
by strategic winds
cracked tiles
crumbling walls
the game of hide and seek
between nevers and always.
.
Knowing how to be eternal
intentionally omits
the time to say goodbye
five minutes before
and five minutes after.
What remains
is a happiness in Aries
a porcelain sky.
.
Here is the matrix
of all lamp factories
where the experts weave
every possible climate:
cosmetic tears
heroines sinking
in quicksand.
.
The best view
is this one
but when night falls
suddenly –
I prefer it yet
with no reference point
with no hesitation.
<<<. . .>>>
A Melhor Vista
.
A melhor vista
é a da janela
onde você pode
ter a possibilidade
mas não a totalidade.
.
Sua essência
é uma contingência
um mínimo oculto
na unidade e portanto
um conhecimento direto
e quase perspectivo.
.
A introspecção
da paisagem:
um ideal partilhado
por ventos estratégicos
telhas trincadas
paredes por caiar
esconde-esconde
entre nuncas e sempres.
.
Sabendo ser eterna
omite propositadamente
a hora de dizer adeus
cinco minutos antes
e cinco depois.
O que remanesce
é uma alegria em Áries
um céu de porcelana.
.
Aqui é matriz
de todas as fábricas
de abajur
onde os técnicos tramam
todos os climas possíveis:
lágrimas de laquê
heroinas em areia movediça.
.
A melhor vista
é esta
mas quando a noite
cai de súbito –
assim eu a prefiro
sem pontos de referência
sem hesitação.
<<<. . .>>>
blossoming sun-bird, humming-flower in dew
meticulously sips the blood from lips
morning and gathering the green eyes
sometimes vegetable gases
innumerable vagabonds branches emerge
in the clouds and hair and their dawn
become entangled among the thorns
while faded flowers rave at her feet
<<<. . .>>>
a florir beija-sol gira-flor no orvalho
sorve o sangue dos lábios minuciosamente
manhã e colhendo os verdes olhos
por vezes gazes vegetais
nas nuvens surgem inúmeros vagabundos
galhos e os cabelos e suas albas
embaraçam-se entre espinhos
enquanto flores murchas deliram em seus pés
<<<. . .>>>
Drunk she licked the night dew
the lip of the moon
over the petals of September.
.
But I, drinking the rainwater,
knew how to be honey its absinthe
all the symbols of a yes.
.
I touch the shadows
with my grapevine fingers,
touching the error of my whole life.
.
Blame the cement of the spittle,
word that goes nowhere,
if one escaped from me, it was empty.
<<<. . .>>>
Ela ébria lambia o sereno
o lábio em lua
sobre as pétalas de setembro.
.
Mas eu, bebendo água da chuva
sabia ser mel seu absinto
todos os símbolos de um sim.
.
Toco as sombras
com meus dedos de videira
tateio o erro a vida inteira.
.
Culpa ao cimento da saliva,
palavra que não vai a parte alguma,
se alguma me escapou, partiu vazia.
<<<. . .>>>
Translation from Portuguese into English: the poet

Direitos autorais / © Maurício Arruda Mendonça

<<<. . . . .>>>


Primeiro dia de Verão: um poema

Flor del Verano_El Girasol_Toronto_2014

Júlio Castañon Guimarães (born 1951, Minas Gerais, Brazil)
Summer
[ Toute l’âme résumée – Stéphane Mallarmé ]
.
the sun
pricks the pores
ravages blemishes of spirit
.
what the sea gives back to the sand
the day outlines
in biceps and trunk and thighs
that embrace the landscape
Gloria the bay
the line of the horizon
.
in the hair below the belly button
a drop gathers in the entire summer
.
and it distills it
on the tongue
in a stain of salt.
. . .
Translation from Portuguese into English:

David William Foster

. . .

Verão
.
o sol
agulha os poros
devasta laivos de espírito
.
o que o mar devolve à areia
o dia desenha
em bíceps e tronco e coxas
que abraçam a paisagem
a Glória a baía
a linha do horizonte
.
nos pêlos abaixo do umbigo
uma gota recolhe todo o verão
.
e o resume
na língua
em um laivo da sal.

. . . . .


Augusto dos Anjos: “Intimate Verses” and “Immortal Lust” / translation by Daniel Vianna

 

Egon Schiele_O Abraço_The Embrace_1915

Egon Schiele_O Abraço_The Embrace_1915

Augusto dos Anjos (Brazilian pre-Modernist poet, 1884-1914)
Versos Íntimos
.
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
.     .     .
Intimate verses
.
Look! No one saw the amazing
Burial of your one final dream.
Only the ungrateful and mean
Gave you a shoulder for weeping!

Get used to the cesspit that awaits!
Man, in this miserable land,
Surrounded by wild beasts, can only stand
By dishing out even stronger bites.

Take a match – light your cigarette!
The kiss, the friend, precedes the spit,
The hand caresses – before the stick.

If someone saves you from hell,
Stone the hand that treats you well,
Spit on those who try to kiss you!
.     .     .
Volúpia Imortal
.
Cuidas que o genesíaco prazer,
Fome do átomo e eurítmico transporte
De todas as moléculas, aborte
Na hora em que a nossa carne apodrecer?!

Não! Essa luz radial, em que arde o Ser,
Para a perpetuação da Espécie forte,
Tragicamente, ainda depois da morte,
Dentro dos ossos, continua a arder!

Surdos destarte a apóstrofes e brados,
Os nossos esqueletos descarnados,
Em convulsivas contorções sensuais,

Haurindo o gás sulfídrico das covas,
Com essa volúpia das ossadas novas
Hão de ainda se apertar cada vez mais!

.     .     .
Immortal Lust
.
Do you really think that life-giving bliss,
The driving hunger of eurythmic atoms,
Will abort the molecules in motion
At the time when our flesh becomes putrid?!

No! This radial light that burns Being,
To perpetuate a victorious Species,
Tragically, even after we decease,
Inside the bones – goes on – keeps on – burning!

Deaf from abuses and offenses,
Our fleshless carcasses,
Convulsing and contorting the core,

Exhaling sulfuric gases from the tomb,
With the fresh lust of new bones,
Will yet press together more!
.
Portuguese to English translation: Daniel Vianna

. . .


“O Tygre”: William Blake / “The Tyger”

 

O Tygre_title_Augusto de Campos translation of the William Blake poemIllustration for Augusto de Campos translation of The Tygre by William Blake_From a Turkish Dervish mural 19th century.

O Tygre_first stanza.

O Tygre_second and third stanzas.

O Tygre_fourth and fifth stanzas.

O Tygre_sixth stanza