Poetas dos anos 90: “A Palavra viva e paralisada” / “Poetry – alive – in paralyzed flow”: Carlito Azevedo
Posted: June 23, 2014| Author:Zócalo Poets|Filed under:English, Portuguese|Comments Off on Poetas dos anos 90: “A Palavra viva e paralisada” / “Poetry – alive – in paralyzed flow”: Carlito Azevedo
. . . Ao Rés Do Chão
. I
.
Um menino passou na ventania,
um momento passou de epifanias.
.
É a memoria que quer, com seus acervos,
exoir-se em luminosos néon-nervos?
.
É, doendo, o tempo, essa doença
da infância, a gerar velhos de nascença?
.
É que tudo, se passa, vira nada?
.mesmo que anele ainda a alugada
.
e sexy roupa fátua do poema
(seu rol de rimas ricas, diadema
.
tremeluzente), e até as gotas finas,
que no ar denso, porém, abrem ravinas
. vertiginosas e em revolução,
antes de explodirem ao rés do chão
.
(ciscos de água luzindo nos lancis),
relembrem, extraluzes, o céu gris?
. II
.
A trama era tão simples, sob um céu
tão simples, sem visões e sem um véu
.
sobre os olhos… Num poderoso instante
um ponto se congela e, circundante,
.
tudo passa a fluir lento, arrastado,
e à volta desse círculo um mais largo
.
se abre onde prossegue normalmente
a vida e seu caudal; mais abrangente
.
há outro onde tudo é tão veloz
que nem o percebemos. Onde a foz
.
e onde a nascente é algo indecidível:
se tudo nasce quieto e até um nível
.
vertiginoso vai-se acelerando,
ou se, ao contrário, é justamente quando
.
chega ao seu film que o fluxo se detém,
nascido acelerado e por ninguém?
. III
.
A idéia é não ceder à tentação
de escrever o poema desse não-
.
lugar, desse círculo congelado
sem vasos comunicantes, fechado
.
em si, em sua pose, sua espera,
a idéia é alcançar a outra esfera,
.
não aquela onde tudo flui tão lento,
nem a outra, comum no movimento,
.
mas a última, a roda da vertigem
(esteja ela no fim ou na origem),
.
a idéia é pôr as duas mãos no centro
nervoso do delirio (aquele vento
.
na praça), para que a Palavra ativa
congele a vida, como soi, mas viva
.
mesmo ferida da paralisia,
fluxo paralisado, a poesia.
. IV
.
Quando a chuva passou (quando assentou-se
a idéia do dilúvio) e o que ela trouxe,
.
a memória encolheu-se como poça
de água limpa que em si mesma se empoça
.
e deixa de existir, sutil velame
na densa luz que se evapora à lâmina
.
d’água. Assentou-se o dilúvio, o presente
investiu todo espaço lentamente:
.
cada curva de espaço, cada canto
de curva, cada praia de amianto.
.
Assentou-se o dilúvio. Sob o acosso
da quietude, que é toda um alvoroço
.
(tal como é lisa a pele onde se roça
a superficie áspera e lenhosa
.
do gozo, que lacera o tempo), a hora
retomou seu fiapo de demora.
. . . . .