“Uma perfeita, excepcional e amável existência de girassol!” Uma tradução de Ginsberg por Tomaz Amorim Izabel

Girasoles en la lluvia 3_Toronto_Julio de 2015

Allen Ginsberg (1926-1997)
Sutra do Girassol (1955)
Tradução por Tomaz Amorim Izabel
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Eu caminhava às margens da doca de latão onde se descarregavam bananas e
me sentei sob a sombra gigante de uma locomotiva da Southern
Pacific para olhar o pôr-do-sol sobre os
morros de casinhas em forma de caixas e chorar.
Jack Kerouac, companhia, sentou-se do meu lado em uma coluna de ferro arrebentada
e enferrujada, pensamos as mesmas coisas
sobre a alma, desolada e azul e de olhos tristes,
cercada pelas raízes de aço cheias de nós das árvores de
maquinaria.
A água oleosa no rio espelhava o céu vermelho, sol
mergulhado no topo dos últimos picos de São Francisco, sem peixe
naquele rio, sem ermitão naqueles montes, apenas nós
olhos marejados e ressaca como velhos vagabundos
na beira do rio, cansados e astutos.
Olhe o Girassol, ele disse, tinha uma sombra cinza
e morta contra o céu, grande como um homem, sentada
seca sobre uma pilha antiga de serragem –
eu corri encantado – era meu primeiro girassol,
memórias de Blake – minhas visões – o Harlem
e Infernos dos rios do leste, pontes retinindo sanduíches
do Joe Greasy, carrinhos de bebês mortos, pneus
carecas esquecidos e não recauchutados, o
poema da beira do rio, camisinhas e vasos, facas
de aço, nada inoxidável, só a nojeira úmida
e os artefatos afiados se afundando no
passado –
e o Girassol cinza se equilibra contra o pôr-do-sol,
desolação que quebra e poeirenta com a fuligem e a fumaça
e a poluição de locomotivas velhas em seu olho –
corola de espinhos embaçados decaídos e quebrados como
uma coroa espancada, sementes caídas de seu rosto,
boca quase desdentada de ar cheio de sol, raios de sol
obliterados em sua cabeça cabeluda como um arame
teia seca de aranha,
folhas esticadas como braços saindo do tronco, gestos
vindos da raiz de serragem, pedaços quebrados de gesso
caídos de galhos negros, uma mosca negra em seu ouvido,
Profana coisa espancada era você, meu girassol, oh
minha alma, eu te amava tanto então!
O lodo não era lodo de gente, mas morte e locomotivas
humanas,
toda aquele vestido de poeira, aquele véu de pele escurecida
em ferrovias, aquela poluição do rosto, aquelas pálpebras de
miséria negra, aquela mão de fuligem ou falo ou protuberância
artificial de algo mais que sujo – industrial –
moderno – toda aquela civilização manchando sua
louca coroa dourada –
e aqueles pensamentos lacrimejantes de morte e insensíveis
e empoeirados olhos e fins e raízes murchas no fundo, na
pilha natal de areia e serragem, notas de dólar
de borracha, pele de maquinaria, as entranhas e interiores
do carro que chora e tosse, as vazias e solitárias
latas com suas línguas enferrujadas, ai, o que
mais posso eu nomear, as cinzas fumadas de algum
charuto de pinto, as bucetas de carrinhos de mão e
os seios leitosos de carros, cus arrombados de cadeiras
e esfíncteres de dínamos – todos estes
emaranhados em suas raízes mumificadas – e você lá
em pé na minha frente durante o pôr-do-sol, toda a sua glória
em sua forma!

Girasoles en la lluvia 5_Julio de 2015Girasoles en la lluvia 2_Toronto_Julio de 2015Girasoles en la lluvia 4_Toronto_Julio de 2015
Uma beleza perfeita de um girassol! Uma perfeita, excepcional
e amável existência de girassol! Um doce olho natural
para a nova lua sensual, acordou vivo e excitado
agarrado na sombra do poente nascente mensal
brisa dourada!
Quantas moscas zumbiram inocente ao redor do seu
lodo enquanto você amaldiçoava os céus das
ferrovias e sua alma floral?
Pobre flor morta? quando você se esqueceu de que era uma
flor? quando você olhou para sua pele e
decidiu que você era uma velha locomotiva suja e impotente?
o fantasma de uma locomotiva? o espectro e
a sombra de uma outrora poderosa locomotiva americana?
Você nunca foi locomotiva alguma, Girassol, você foi um
girassol!
E você locomotiva, você é uma locomotiva, não me
esqueça!
Então eu apanhei o espesso esqueleto do girassol e o enfiei
ao meu lado como um cetro,
e profira o sermão à minha alma, à alma de Jack
também e para qualquer que o ouça,
– Nós não somos nossa pele de lodo, nós não somos nossa pavorosa
desolada enferrujada locomotiva sem imagem, nós somos todos
lindos girassóis dourados por dentro, nós somos abençoados
por nossa própria semente e loiros corpos
completos crescendo tornando-se loucos girassóis
formais e negros no pôr-do-sol, espionados por nossos
olhos sob a sombra da louca locomotiva
beira do rio pôr-do-sol São Francisco tarde montanhosa de latão
vendo tudo sentado.
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